PRA TUDO SE ACABAR NA QUARTA-FEIRA: O Confronto entre o estado dirigente e o estado dirigido

Por Fernando Lobato _ Historiador

     "Meu Deus, vem olhar, vem ver de perto uma cidade a cantar a evolução da liberdade até o dia clarear. Ai que vida boa, ô lerê, ai que vida boa, ô lará, o estandarte do sanatório geral vai passar". É assim que Chico Buarque, com sua fina e sofisticada ironia, fala do Carnaval na música "Vai passar". Todos os anos tem sido assim, ele vem e passa e o Brasil, que, nesses dias, Chico vê transformado num grande hospício, continua na mesma. Neste Carnaval de 2012, porém, nem tudo continua como dantes no quartel de Abrantes, pois o quartel baiano "também resolveu participar" dessa loucura que acaba na Quarta-feira de cinzas. Sua participação, porém, está se dando de uma forma não esperada pela parte do estado que a dirige. Pra tentar garantir os cinco dias de loucura geral, mobilizou mais de 4.000 homens do estado dirigido que ainda lhe continua leal: As FA, A FN e a PF.
     No confronto tenso entre o estado dirigente e parte do estado dirigido (a PM baiana em greve), parece que é o próprio Carnaval quem vai dançar. Nesse confronto, o estado dirigente, inicialmente, se imaginou no conforto de sempre: "Acionarei a Justiça, que os declarará fora da lei e, no caso de resistência, usaremos a força". Parecia que Wagner lembraria Cabral, no episódio dos bombeiros cariocas, e Alckmin, na invasão do Pinheirinho, mas tal não se deu porque o "bicho" se mostrou muito mais feio do que o esperado. Quem está diante do estado dirigido leal não são os favelados indefesos do Pinheirinho, mas uma classe organizada, fortemente unida, disposta para o enfrentamento e, o que é ainda muitor pior para o estado dirigente da Bahia e Federal, articulada com núcleos da classe espalhados Brasil afora.
      Diz o historiador E. P. Thompson que uma classe somente é classe quando tem consciência de si mesma e de quem são os seus opositores e isso os policiais e bombeiros estão mostrando que tem de sobra. Quando o "pau" parecia que ia cantar pra cima dos amotinados da Bahia, o núcleo carioca mandou o aviso: "amanhã vocês vão ter que vim atrás de nós". Seguindo o exemplo do Rio, outros núcleos repetiram o aviso. Atônitos tal como os que recebem um choque paralisante, estado dirigente baiano e federal, ambos sob o comando do PT, não mais o que foi mestre da "arte da greve", se vêem diante de um fato que ainda tentam preservar: o de que nunca na História desse país houve um ano sem carnaval. As evidências, porém, não indicam esse desfecho, pois, pelo que parece, a greve talvez acabe na quarta-feira, mas na de cinzas.
     Acuado por uma parte do estado dirigido que sempre acreditou não ser capaz de se organizar de forma tão ampla, o estado dirigente está correndo atrás para não ver a sua condição de dirigente jogada na lama. Como sempre, mostrará vigor no "corte" das cabeças que dão direção à "fera". Marco Prisco da Bahia e Daciolo do Rio já foram devidamente trancafiados e tendem a ser usados como bode expiatório para estimular a desagregação do restante corpo, fato que, até o momento, parece que não irá ocorrer. Na grande assembléia dos profissionais de segurança do Rio de ontem, 09/02, um manifestante ostentava o cartaz "Libertem Daciolo e prendam Cabral". Outro campo de ataque que já está sendo fortemente utilizado é a grande mídia, que tende a criminalizar o movimento para que a população lhe seja hostil. Nessa altura, o confronto já assumiu uma face marcadamente política porque a questão é de fato política.
     A PEC 300, motor da rebelião, foi brecada por obra e graça do mesmo estado dirigente que agora se vê acuado, ou seja, este usou e abusou da enrolação e do fingimento de que a coisa não é com ele para, em seguida, jogar a poeira pra debaixo do tapete. O grave problema disso se expressa na reação de uma minoria de grevistas que vê como normal o uso dos mesmos expedientes arbitrários utilizados pela parte dirigente, ou seja, disposta a ver a questão como uma guerra e não como um embate de interesses. Interesses, porém, que não devem atentar de forma despudorada contra os interesses do conjunto maior da sociedade. Em que pese os riscos e os prejuízos de um confronto desse tipo, tal fato já assume um valor histórico relevante, pois está forçando uma reflexão geral acerca do sentido do Carnaval numa sociedade tão problemática como a nossa. 

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