O Estado Liberal como negação da fraternidade

Em face da negação dos dois primeiros princípios que formavam o lema da revolução que ensejou a afirmação do modelo de estado liberal e sua difusão pelo mundo dito civilizado, torna-se óbvia e quase desnecessária uma abordagem sobre a negação do seu terceiro grande princípio norteador: a fraternidade.  Todavia, já que se trata de uma trindade que os liberais utilizaram para negar o Absolutismo, este ABC não ficaria completo sem uma abordagem negando o último tripé da falácia liberal.  Fraternidade pressupõe a predominância de um espírito de irmandade fundamentado no amor e na colaboração recíproca entre aqueles que partilham o desafio de sobreviver no mundo real e concreto em que um dia foram inseridos como fruto do encontro de um homem e uma mulher.
O amor fraterno, assim como as demais formas de amor, não é algo que se estabelece com a inclusão de um artigo na Constituição ou através de um decreto legislativo qualquer. O amor, para que exista de fato, pressupõe a existência da empatia, ou seja, do reconhecimento de si mesmo na figura do outro. No amor paternal, por exemplo, um pai é capaz de dar a vida por seu filho porque o sente como uma extensão de si próprio. É assim também nas demais formas de amor porque ele sempre pressupõe alguma forma de negação em favor do outro, o ser amado. Toda forma de amor, portanto, exige algum grau de sacrifício. Esse sacrifício, porém, do ponto de vista de quem ama, é nada quando traz como resultado o amor da parte de quem ensejou tal sacrifício.
É hipocrisia pura e cristalina falar de fraternidade num mundo dominado pelo “DEUS MERCADO”, visto que nele os seres humanos são postos, cotidianamente, na condição de gladiadores modernos, ou seja, com a dura missão de vencer ou morrer, ou pior que isso, fracassar. Na “constituição ditada pelo mercado” não há espaço para o afeto ou a benevolência, pois está posto que o sucesso depende da superação. Não apenas da superação de si mesmo, mas, sobretudo, do concorrente.  A glória do vencedor pressupõe o lamento do derrotado. Se um sorri, o outro terá de chorar. Num mundo que segue tal lógica, o aumento da criminalidade, do consumo de drogas, da loucura e das taxas de suicídio é algo mais que previsível, mas, como o humano está dentro de nós, ainda nos surpreendemos com tais fatos.
A trindade “liberdade-igualdade-fraternidade”, apesar de extremamente negada na sociedade liberal ou burguesa, continua sendo um eixo norteador para todos os que sonham e trabalham em favor de um mundo onde ela seja regra e não exceção. Creio, entretanto, que não é possível afirmá-la como um todo sem se priorizar o princípio da IGUALDADE. O exemplo histórico dos gregos, nesse sentido, é muito claro. Não há como criarmos um mundo cada vez mais livre sem a democratização da igualdade. Por conseqüência, não há como se equilibrar esses dois princípios sem ancorá-los no princípio da fraternidade. A fraternidade, penso eu, é o mais importante dos três que formaram o lema revolucionário liberal. O “DEUS MERCADO” se encarregou de negá-los, cabe aos homens resgatá-los e reafirmá-los.
Não há como a humanidade afirmar-se diante do “DEUS MERCADO” sem que o mesmo seja destituído, assim como ocorreu com os reis absolutos, da sua condição divina. O mercado é uma realidade não para ser aniquilada, mas para ser posta a serviço dos homens e não contra eles. É preciso, isso sim, romper com os valores dogmáticos que ele imprimiu no comportamento e na consciência humana. Precisamos de novos valores e penso que eles estão presentes na visão de mundo socialista. O socialismo é uma proposta política muito antiga, mas, por muito tempo, pouco compreendida e experimentada no mundo dito civilizado, visto que foi a própria civilização que, ao nascer, a negou. Se faz urgente o resgate da luta socialista, mas sem macular o seu fundamento maior: A DEMOCRACIA.