Há muito que a dor e a miséria de nosso povo serve de instrumento para o enriquecimento Ilícito de uma minoria viciada nas benesses que o poder proporciona. Quem já não ouviu falar da “Indústria da Seca” no nordeste, caracterizada pela apropriação privada de recursos públicos destinados ao combate e prevenção dos males sócio-econômicos provocados pelos períodos de estiagem prolongada naquela região. É óbvio que, para essa minoria viciada, a questão da escassez de água é um problema para ser debatido, mas jamais resolvido. Se a seca acaba, fecha-se a torneira que jorra dinheiro farto para os que se acostumaram com um estilo de vida parecido com o dos senhores de engenho do período colonial. Se a água for democratizada por aquelas paragens, o povo deixa de viver na miséria. E sem miséria para ser mostrada na TV, perdem sentido os discursos inflamados por mais verbas.
Não é somente no Nordeste, porém, que a indústria Miséria S/A continua proporcionando grandes dividendos aos seus acionistas, visto que as suas sucursais se espalham por toda parte, principalmente em programas sensacionalistas que a exploram para promover seus apresentadores. Diferente do contexto da música do grupo Rappa, na Miséria S/A que retrato, os acionistas são todos gente muito rica e influente. Na propaganda governamental, entretanto, a miséria anda tão desprestigiada que até parece que não existe mais. Nunca antes, na História do Brasil, vimos um governo tão cínico no seu esforço de falseamento da realidade. Mas como mentira tem perna curta, na semana que se passou, de forma trágica e pesarosa, as chuvas que desabaram sobre o Rio de Janeiro nos mostraram a nossa realidade nua e crua.
Se na propaganda oficial o Brasil caminha a passos largos para a entrada no Clube dos Países Ricos, com a história de uma comunidade que se constituiu sob um terreno formado pelo lixo produzido pela sociedade, fomos lembrados de que o Haiti continua sendo aqui. De fato, há um Brasil que se enquadra na propaganda oficial. Seremos sede da Copa do Mundo de 2014 e o Rio, palco das catástrofes recentes, sediará as Olimpíadas de 2016. Em janeiro, foi divulgado que a Petrobrás já é a 9ª empresa mais valiosa do mundo. No mês de março, ficamos sabendo que temos entre nós um homem com um patrimônio de 27 bilhões de dólares e que é a 8ª maior fortuna mundial. Pela forma como a proeza do empresário Eike Batista foi divulgada, fiquei com a impressão de que nos foi sugerido soltar fogos de artifício para comemorar tal feito.
O sucesso desse Brasil que prospera, entretanto, não provoca nenhuma mudança no cenário do Brasil que padece, pois a valorização da Petrobrás não diminui o preço da gasolina na bomba e nem Eike nos convida para torrar, pelo menos, uma pequenina parte da montanha de dinheiro que ele acumulou. Nesse Brasil que padece, uma chuva torrencial é quase tão destruidora quanto um terremoto de 8,8 na escala Richter, tal como o que atingiu o Chile no final de fevereiro. Lá eles vivem bem na borda de nossa placa tectônica e tem clareza de que estão numa área de alto risco, aqui, uma parte do Brasil que padece, vivia sob uma montanha de lixo sedimentado e ninguém sabia que se tratava de uma área de risco. Qual foi a causa da tragédia que vitimou os moradores da comunidade do Bumba lá em Niterói? A chuva ou o descaso do poder público?
Após a consumação da catástrofe, veio o Governo Federal anunciar a concessão imediata de R$ 200 milhões para o socorro das vítimas e para as ações preventivas. Junto com essa notícia, ficamos sabendo também que, de 2004 a 2009, a Secretaria Nacional de Defesa Civil, subordinada a um ministro baiano, teve mais da metade de suas verbas destinadas advinha para qual estado? Quem arriscou Bahia acertou em cheio. Questionado, ele se justificou dizendo que a Bahia apresentou mais projetos e que a Região Nordeste exige maior atenção que as demais. Creio que a sociedade precisa saber mais sobre o processo de elaboração e aprovação de tais projetos e que alguém precisa dizer ao ex-ministro Gedel Vieira que o Nordeste é composto por nove estados e não apenas pela Bahia.
Essas notícias relacionadas com a liberação de verbas públicas nos casos de prevenção e atenuação dos efeitos de catástrofes, me deixaram com o seguinte questionamento: Será que todos esses milhões são aplicados integralmente na finalidade a que se destinam? Será que parte deles não é distribuída como dividendos de uma empresa tão ou mais hedionda que a Miséria S/A? Dado o grau de canalhice de nossa classe política, não é de duvidar que esta empresa possa estar em franca operação e atenda pelo nome de Tragédia S/A. O TCU fez a sua parte ao nos acender a luz da dúvida, cabe a sociedade e ao Ministério Público Federal ficar em estado permanente de alerta.
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