AS DUAS VIAS NAS ELEIÇÕES 2010

          Qual terá sido a marca principal dos governos de FHC (1994-2001) e Lula (2002-2010)? Sem titubear, responderia que foi o trabalho em favor do esvaziamento do sentido político encarnado nas palavras “esquerda” e “direita”. Ambos ascenderam politicamente como lideranças de esquerda, mas, no exercício do poder, portaram-se como representantes da direita tradicional. Envergonhado com sua mudança e meio que buscando justificar o injustificável, FHC pediu que seus leitores e admiradores se esquecessem dos seus escritos como sociólogo e intelectual de esquerda. Já Lula, diferenciando-se de FHC pela maior astúcia e senso de oportunismo, busca preservar a frágil máscara que ainda o faz ser visto como defensor dos trabalhadores, apesar do seu crescente comprometimento com as classes conservadoras e reacionárias desse país.


         Para eleger aquela que foi escalada para cumprir um mandato tampão até a sua pretensa volta em 2014 (Dilma Roussef), Lula, conforme ele mesmo já admitiu*1, vai fechando, sem nenhum escrúpulo ou crise de consciência, acordos com todos os Judas que possuem algum grau de poder. Pouco importa que seu maior aliado, o PMDB, conforme disse Jarbas Vasconcelos*2, uma de suas lideranças mais respeitadas, seja uma associação de corruptos e ladrões. O que importa, para o PT da atualidade, é manter-se, a qualquer custo, usufruindo de tudo o que a permanência no poder pode proporcionar. Nunca antes na história desse país assistimos tamanha prevalência do lema maquiavélico que diz que os fins justificam os meios. Para não ser coagido a apoiar a oligarquia Sarney, Domingos Dutra e Manoel Conceição, deputados maranhenses, tiveram que apelar para o expediente da greve de fome*3. Mas apesar da evidente e inequívoca degeneração ética e ideológica que atingiu o PT, ainda escutamos discursos que o colocam à esquerda do espectro político*4.

          Se voltarmos no tempo para constatar o que petistas e tucanos diziam nas eleições de 1989, veremos os tucanos se definindo como terceira via (meio termo entre capitalismo e socialismo) para demarcar sua distância ideológica do PT, então definido como segunda via (socialista). Em 2010, entretanto, esse discurso já não tem nenhuma sustentação diante da realidade. Se há diferenças entre tucanos e petistas, elas se dão no contexto de sua inserção na primeira via (o capitalismo ou neo-liberalismo). Na atualidade, creio que o tucanato representa o neoliberalismo radical enquanto os petistas o neoliberalismo moderado. Não há, na polarização entre Dilma e Serra, como alguns querem fazer crer, um enfrentamento entre primeira e segunda via como também não há uma candidatura de terceira via, posto que Marina Silva não demonstra ter nenhuma coloração ideológica. Quem define Marina como terceira via não tem a menor idéia do que fala. A bem da verdade, o próprio termo terceira via nada mais é que uma invenção, visto que, conforme a experiência histórica nos mostra, não há como se professar, simultaneamente, dois credos políticos completamente antagônicos.

          Nessas eleições estamos assistindo uma clara tentativa de demarcar a disputa entre os candidatos da primeira via, posto que as candidaturas de segunda via (PSOL, PSTU e PCB), seja pelo boicote da mídia de massa, seja pela própria desorganização e falta de estrutura dos partidos que a sustentam, estão quase completamente excluídas do embate político. Para o avanço e consolidação da democracia e para a predominância do interesse público sobre o privado isso é trágico, pois resultará, inevitavelmente, num debate pautado por sofismas e inverdades que, ditas infinitas vezes, seguindo a velha estratégia fascista de propaganda, assumirão a condição de verdades absolutas. Para o bem da sociedade do presente e do futuro é vital que a segunda via readquira condições de participar de forma altiva do embate político porque, para além do paraíso virtual que nos é vendido diariamente, visualiza-se, com a crise da Grécia e os pacotes reformistas dos governos de vários países europeus, uma densa nuvem escura pairando sobre a classe trabalhadora em nível mundial. Se o temporal que se mostra no horizonte desabar, que não tenhamos de depender da ajuda do Chapolim Colorado, herói às avessas da TV.

*1 Numa entrevista concedida ao Jornal Folha de São Paulo, em 22 de outubro de 2009, Lula disse o seguinte: “Se Jesus Cristo viesse para cá, e Judas tivesse a votação num partido qualquer, Jesus teria de chamar Judas para fazer coalizão”.
*2 O senador pernambucano fez estas declarações numa entrevista concedida à Revista Veja na edição de 18 de fevereiro de 2009 e até a data de hoje ninguém da Direção Nacional do PMDB teve coragem de vir a público desmentir o que Jarbas Vasconcelos disse.
*3 Ver matéria postada no site www.maranhaohoje.com.br, no dia 18 de junho de 2010.
*4 Ver meu artigo "Socialismo:um conceito em disputa", postado nesta página em 29 de abril de 2010.

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