Os "eco-capitalistas" amazonenses e suas mentiras

É muito comum, na fala de influentes políticos locais, a exposição do seguinte raciocínio: o modelo Zona Franca de desenvolvimento do Amazonas é um modelo ecologicamente correto porque permite a preservação de mais de 90% de nossa floresta, não fosse ele, boa parte de nossa floresta já teria sido dizimada. O que há de verdade e de mentira nesse raciocínio? O que se esconde por detrás desse discurso tão comum na boca dos políticos locais? A preocupação conservacionista foi de fato o que motivou a criação da Zona Franca de Manaus? Ao buscar respostas para cada uma dessas questões percebo que há muito de mentira e de ocultamento da verdade na fala desses que, sem nenhuma base científica, definirei como “eco-capitalistas” amazonenses.

Em relação à primeira questão, creio que ninguém tem dúvida de que o modelo Zona Franca de Manaus é muito mais um modelo de montagem do que de produção industrial de fato, visto que há pouca utilização de matérias-primas regionais (ou da floresta) na fabricação dos produtos. Se houvesse uma ênfase maior no aproveitamento dos recursos naturais para transformação em bens industriais haveria, obviamente, uma maior interação econômica entre o interior e a capital e, por conseqüência, um maior impacto sobre o ambiente natural. Esse fato inegável demonstra que o raciocínio dos “eco-capitalistas” amazonenses tem um quê de verdade, mas onde está a mentira?
A mentira está na idéia de que a intervenção humana sobre a floresta é sempre predatória. Se isso fosse verdade, a Amazônia não teria sido, antes da chegada dos europeus, o espaço mais populoso do que hoje chamamos de Brasil. Embora amplamente povoada, a Amazônia era um santuário de preservação. O que torna predatória a ação humana sobre a natureza não é a ação em si, mas a orientação econômica por detrás dessa ação. Temos de dar graças a Deus pelas dificuldades naturais que dificultaram o avanço da colonização sobre nós. Se os portugueses tivessem tido facilidade para produzir açúcar por essas bandas, pouco ou quase nada da majestosa floresta hoje estaria de pé. O solo da Amazônia, como sabemos, não teria resistido ao modelo da Plantation (latifúndio voltado para a monocultura de exportação) e rapidamente teria se transformado num deserto semelhante ao Saara.
Em relação à segunda questão, irei me pronunciar como historiador. A elite amazonense, desde o início da colonização, sempre se colocou como sócia menor dos negócios que o grande capital aqui implantou. No ciclo da borracha, ela se contentou com o controle do comércio, ou melhor, com a operacionalização do regime do aviamento. O aviamento unia umbilicalmente o coronel de barranco do interior com o grande comerciante(importador) da capital. Nessa época, os grandes aviadores controlavam o estado e a orientação das políticas públicas. Nesse sentido, havia um claro desestímulo à produção agrícola. Havia dois motivos para isso. Primeiro, a necessidade de concentrar a força de trabalho na extração da goma elástica. Segundo, impedir a auto-suficiência de alimentos nos seringais, visto que era com este tipo de despesa que os seringueiros comprometiam a maior parte de seus ganhos anuais. Com agricultura forte no interior, não havia como o coronel e os aviadores extorquirem o pobre do seringueiro.
Ainda com relação ao segundo questionamento, coloco à discussão geral outros questionamentos a ele relacionados: É possível afirmar que a elite local defende o modelo Zona Franca porque está preocupada com a questão ambiental? É possível afirmar que a elite local não tem nenhuma participação na divisão dos lucros obtidos pelas empresas do PIM? É possível afirmar que a elite amazonense tem orgulho de ser amazonense e, devido a esse orgulho, colocaria em segundo plano os seus interesses caso estes estejam na contramão do interesse geral dos amazonenses, principalmente dos mais pobres? Se para cada um desses questionamentos a resposta for SIM, o povo não tem com o que se preocupar, pois pode confiar na sua elite dirigente e dormir com a certeza de que ela o está conduzindo para dias melhores do que os atuais. Todavia, se para todas elas a resposta for NÃO, é bom o povo abrir os olhos rapidamente e despertar para os seus problemas concretos e imediatos.
Para dar a minha resposta para a terceira questão, mais uma vez é importante o resgate histórico. A SUFRAMA foi criada em 1967, um ano depois da criação da SUDAM, cuja sede foi instalada em Belém. Um dos motivos que levou o regime de 64 a criar a SUFRAMA foi o protesto da elite amazonense em relação aos parcos projetos que a SPVEA, órgão federal que antecedeu a SUDAM, aprovava no Amazonas. A elite amazonense da época argumentava que, permanecendo a SUDAM sediada em Belém, continuaria a mesma situação que se dava com a SPVEA. Era fundamental, segundo essa mesma elite, que o Amazonas fosse agraciado com um projeto de desenvolvimento específico e independente da SUDAM.
Na visão do regime de 64, a Amazônia era um espaço que precisava ser integrado rapidamente ao restante do país. Nesse processo, alguns atores sociais tinham relevância especial. Entre eles, destacaria dois: o soldado e o empresário. O soldado para garantir o controle político do espaço e prevenir o regime de possíveis levantes de esquerda, tais como a Guerrilha do Araguaia, ocorrida no início dos anos 70. Os empresários, por sua vez, tinham uma missão semelhante àquela dos donatários do período colonial. Recebiam terras e isenção fiscal para subordinar a Amazônia à lógica capitalista nacional e internacional. No Amazonas, não seria muito exagero defini-los como coronéis de barranco da modernidade, pois sua missão era organizar a produção local e botar a cambada pra trabalhar.
Enquanto o soldado simbolizava a subordinação do espaço ao poder político, o empresário simbolizava a subordinação ao poder econômico dominante. Para o regime, o fundamental era a ocupação e a subordinação dos espaços vazios. Se não houvesse gente para ocupá-lo, que isso fosse feito com bois, o que explica a expansão da agropecuária na região. Em face disso, não havia a menor preocupação com os impactos ambientais dessas iniciativas. Nessa época, como todos sabem, a questão ambiental ainda não havia se inserido na agenda política.

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