CID GOMES E O MONGE PROFESSOR

  
   "Quem quer dar aula faz isso por gosto, e não pelo salário. Se quer ganhar melhor, pede demissão e vai para o ensino privado”. A frase tresloucada não é de Amazonino Mendes, Prefeito de Manaus, como alguns podem logo começar a imaginar, mas de Cid Gomes, Governador do Ceará, ao criticar os professores cearenses em greve. Não foi o “então morra” que Amazonino disse à moradora desabrigada mas, avaliando o contexto em que foi dita, foi tão ou mais desastrada.
    Pelo que disse Cid Gomes, o professor é, no serviço público, uma espécie de monge franciscano, ou seja, alguém com o dever do voto de pobreza para o exercício da missão. O que é o salário diante da satisfação do bem que se faz aos carentes de saber? De fato é quase nada, mas, ainda assim, um quase nada necessário para que a obra prossiga. O franciscano faz voto de pobreza, mas depende das esmolas que possibilitam o seu exercício sacerdotal.
     A depender do ponto de vista do governador cearense, parece não ser lícito ao professor nem mesmo um questionamento do valor de sua esmola. Tal questionamento suscitaria uma crise de fé, o que, em outras palavras, significaria traição aos votos assumidos e prova cabal de sua falta de amor. Pela perda do amor sacerdotal, tal como anjo decaído ou Adão e Eva depois do pecado, forçoso seria o afastamento da presença de Deus e o consequente abandono do paraíso. Tal, em linhas gerais, o sentido que Cid Gomes transmitiu com sua frase.
    Cabe ressaltar, porém, que Cid Gomes não é deus, a escola pública está mais para purgatório do que paraíso e o professor não é monge nem sacerdote. O professor é tão somente um profissional dedicado à arte do ensino e da aprendizagem. Deve, como todos os demais profissionais, desempenhar seu ofício com o amor e a dedicação que o mesmo requer, mas, para isso, precisa ser valorizado, respeitado e incentivado a permanecer em sua nobre e importante atividade, vital para toda nação que se deseja forte e próspera.
     Com sua frase infeliz, mas reveladora do seu ponto de vista acerca do papel do professor, Cid Gomes entra para a galeria dos bombeiros trapalhões, ou seja, daqueles que, diante do fogo que se alastra, em vez de água, usa gasolina para combatê-lo. É possível, porém, que a atuação de Cid Gomes como bombeiro trapalhão tenha sido provocada pela grave miopia que lhe afeta e o faz ser incapaz de ver a realidade como ela é, visto que a média salarial no ensino privado cearense é ainda menor do que a do ensino público.
    Não fosse a manifestação sintomática de uma realidade trágica, a educação nacional, a lambança verbal de Cid poderia muito bem ser tratada como algo cômico, mas, para infelicidade geral, tem de ser vista apenas pelo que é: UM FATO PARA PROFUNDO LAMENTO.

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