Por Fernando Lobato_Historiador
O segundo princípio afirmado na Revolução Francesa, mas amplamente negado no Estado Liberal é o da igualdade. Na prática, é uma declaração jurídica de pouca eficácia numa sociedade pautada por “leis de mercado” frias e insensíveis diante da condição humana. Ser declarado igual diante das leis não impede ninguém de cair na mais profunda miséria, pois, para isso, basta que se fique sem as condições objetivas que garantem o sustento familiar, ou seja, sem trabalho e renda. Ser igual efetivamente em relação a outrem pressupõe, primeiro, dispor do mesmo grau de liberdade deste. É ingênuo pensar, por exemplo, que um empresário muito rico terá, na sua relação com o governo, um tratamento igual ao que este dispensa a quem sobrevive, por exemplo, no comércio informal (camelô).
Na sociedade liberal ou burguesa, a noção de liberdade tem relação direta com o montante em dinheiro que se acumula. Quem tem mais é mais livre porque tem mais condições de atender os seus desejos e necessidades. Numa sociedade regulada exclusivamente por leis de mercado, o dinheiro é a mola mestra que impulsiona os indivíduos porque dele todos dependem, seja para atender necessidades básicas ou até extravagantes. Nessa lógica, quase tudo vira mercadoria, inclusive saúde e educação. Nela, a suprema felicidade deixa de ser um bem subjetivo para assumir a forma objetiva de uma Ferrari, de um apartamento de cobertura num prédio de luxo, de um iate ultramoderno, etc. Nela, promove-se uma corrida tresloucada atrás de algo que, além de subjetivo, é também vago: o conceito de sucesso - entendido quase sempre como capacidade para acumular dinheiro, fama ou poder de ostentação.
Com a objetivação insana da noção de felicidade promove-se uma corrida tresloucada atrás do sucesso e a sociedade regulada exclusivamente por leis de mercado vira uma grande selva, pois todos são forçados a se lançar numa competição feroz pela afirmação pessoal ou familiar. Essa competição aplica, na dimensão social, um princípio importado da biologia, ou seja, a teoria da seleção natural, que diz que os mais aptos sempre sobrevivem. Os mais aptos, nesse caso, são também, normalmente, os mais egoístas e individualistas. Muitos pensam que esse critério é justo porque premia os mais capacitados, mas o problema é que a definição de capacidade e competência é feita por um ser sem rosto e sem alma: o mercado, um ser que pensa e vive em função de si mesmo e que costuma não estar nem aí para os problemas que cria para a sociedade, basta ver os problemas ambientais acumulados no estágio atual do capitalismo.
Na lógica da sociedade liberal ou burguesa, todos viram reféns do “Deus Mercado”. É ele, e não os humanos, quem determina o modo como tudo deve funcionar ou ser produzido. É ele quem define salários e, quando o estado é omisso, a própria legislação trabalhista. Por tudo isso, vemos que, nas sociedades sob o domínio do “DEUS MERCADO”, a igualdade jurídica é uma quimera utilizada para dar ilusão de que todos participam de uma competição justa. Na prática, os competidores estão em situações que nada tem haver com o espírito esportivo. Numa corrida de 100m pela vida, uns largam 90m a frente, enquanto outros largam a 80m e outros menos que isso. A pior forma de injustiça é essa: tratar os desiguais de forma igualitária. Em condições de competição tão desiguais, a trapaça vira a regra principal de um jogo que se torna macabro porque não trapacear vira sinônimo de ótário. Eis o que explica o elevado índice de sonegação de impostos no modelo capitalista, fato que joga o fardo maior das contas públicas nas costas dos mais desfavorecidos e o Brasil, nesse quesito, é um dos piores do mundo.
Na "igualdade" da sociedade liberal ou burguesa temos cerca de 1 bilhão de famintos que não sabem se verão o sol nascer no dia seguinte porque podem morrer de fome a qualquer momento[1]. No mundo liberal ou burguês, a maior parte da humanidade sobrevive com 1, 2 ou 3 dólares por dia. Todavia, nesse mesmo mundo onde impera amplamente essa triste realidade, temos uma pequena parcela de indivíduos ostentando fortunas contabilizadas em bilhões de dólares[2] e esses são as celebridades exaltadas pela grande mídia a serviço desse sistema perverso. Seus feitos são atribuídos à genialidade e talento na arte de negociar. Negócios que desconhecemos como são realmente feitos, muito embora a Lava-jato e a Zelotes, operações da PF em curso, nos tenham revelado bastante coisa sobre eles. Uma coisa é inquestionável no sistema liberal: É ele que fomenta a grande maioria das guerras do nosso tempo, já tendo produzido duas em nível mundial e, a julgar pelo tamanho da crise atual, quer nos empurrar para uma terceira.[3].