Por Fernando Lobato_Historiador
A concentração do poder nas mãos de um rei, cuja vontade estava acima da nação, foi duramente combatida pelo Iluminismo. Defensores da preponderância da razão em todos os aspectos da vida em sociedade, os iluministas foram decisivos na queda do Antigo Regime. Com o Absolutismo Monárquico desmoralizado, afirmou-se uma concepção de estado que colocava a soberania como um atributo do povo e não do governante. Nessa nova concepção, o governante é servidor do povo, devendo a ele se submeter através de um conjunto de leis denominada Constituição.
Símbolo do poder do povo na condução do estado, a Constituição estabelece o império da lei coletivamente consentida e não mais fruto da vontade pessoal de alguém. É ela, a partir de então, que legitima o poder. Nascia o que passou a ser chamado de Estado de Direito. Nesse modelo, o poder foi dividido em três partes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Com essa divisão, pretende-se impedir a concentração de poder nas mãos de alguém. Para que isso funcione na prática, é fundamental que esses três poderes funcionem de forma independente e harmônica para que cada um limite o poder do outro.
Nessa divisão, o Executivo administra os bens da sociedade (patrimônio público), enquanto o Legislativo se incumbe da elaboração de leis e da fiscalização do Executivo. Ao Judiciário, por sua vez, cabe o papel de juiz em relação à observância da Constituição e das demais leis por toda sociedade, inclusive por parte dos governantes e demais autoridades. Nesse modelo, tornou-se comum a realização de eleições para a escolha dos representantes do povo no Executivo e Legislativo. Por suas peculiaridades, é chamado de “Estado Representativo”.
O termo “Estado Representativo” revela a fragilidade do atributo da soberania popular que os liberais lhe atribuem, visto que não é o povo, de forma direta, que o conduz. O povo apenas manifesta, através do voto, a sua preferência por um ou outro representante. Nessa forma, o povo apenas concede uma procuração para que outros decidam em seu nome. De forma indevida, foi atribuído o caráter DEMOCRÁTICO para essa forma de organização. É indevida porque o conceito de DEMOCRACIA tem por fundamento a supremacia da vontade da maioria em todas as decisões. Na prática, sabemos que a vontade popular é muitas vezes completamente ignorada nas decisões governamentais.
O termo democracia tem sua origem na experiência de organização política dos gregos antigos. Ele significa “GOVERNO DO POVO VOLTADO PARA O INTERESSE DO PRÓPRIO POVO”. Para garantir isso na prática, os gregos exerciam o seu poder de forma direta, ou seja, sem o uso de representantes. Reunidos em praça pública, eles mesmos, depois de intenso debate, tomavam todas as decisões. É importante citar a Democracia Não-Representativa dos gregos antigos porque nela o estado era, de fato, um espaço aberto à livre participação dos que tinham o direito de cidadania, ou seja, era um espaço integralmente público.
Estava bem clara, na democracia direta dos gregos antigos, a intenção de isolamento do estado daquilo que entendiam como espaço privado, ou seja, dos cidadãos na condução de seus negócios familiares. Dessa maneira, dois princípios se manifestavam claramente: 1º - o estado era entendido como espaço de livre trânsito e manifestação do cidadão; e 2º O estado como bem não passível de ter sua vontade viciada ou apropriada particularmente. Dentro dessa ótica, não há como conceber o estado como instrumento da soberania popular sem a plena submissão dos governantes ao poder diretivo do povo livremente organizado.
Quando o Estado Liberal foi erguido sob as ruínas do Estado Absolutista, apesar da sua justificação em nome da soberania popular, não foi estabelecido nenhum mecanismo capaz de garantir a submissão do estado à vontade da maioria. Na luta contra o absolutismo, os revolucionários franceses entoavam o lema “liberdade, igualdade e fraternidade”. Liberdade como sinônimo de emancipação diante de todas as formas de opressão, igualdade como mecanismo destruidor de todas as formas de privilégio ou distinções indevidas e fraternidade como fator de harmonização social baseado no afeto e na solidariedade recíproca. Nenhuma dessas palavras ou conceitos, na dinâmica do Estado Liberal ou Representativo, tem pleno sentido.
É de fundamental importância o chamamento de atenção para o caráter NÃO DEMOCRÁTICO do Estado Liberal ou representativo. É importante destacar a falácia da idéia de disseminação da democracia que se veicula na atualidade. Lembremos que a expansão da democracia para o Oriente Médio foi um dos motivos alegados, além da propalada existência de um arsenal de armas de destruição em massa, para a invasão do Iraque. Ela, a democracia, é um termo muito utilizado como recurso retórico, mas, crescentemente menos real num mundo cada vez mais dominado pelos interesses de mega corporações econômicas.
O enfraquecimento da democracia mundo afora é fruto da debilidade da forma como se configura a representação do povo no Executivo e no Legislativo. Essa debilidade, por sua vez, está diretamente relacionada à crescente submissão do estado aos interesses das grandes corporações econômicas do setor privado. A debilidade ou caráter ilusório da democracia pelo mundo se reflete, retomando o lema dos revolucionários franceses, na restrição dos conceitos de liberdade, igualdade e fraternidade.