A Democracia como afirmação do Socialismo



       O tempo contemporâneo, apesar de nascido sob o lema da "liberdade, igualdade e fraternidade", ainda permanece no processo de transição para a Democracia. Durante este processo, que já dura mais de dois séculos, verificou-se substanciais avanços, mas também retrocessos.   A democracia não se resume a um mero processo eleitoral ou plebiscitário como querem fazer crer os lobos travestidos de cordeiros que posam de arautos e defensores da mesma. 

          A democracia também não é a pretensa soberania de um povo através de uma Constituição que, não raro, é constituída através dos mais cruéis e sórdidos expedientes de autoritarismo e onde essa pretensa soberania não é mais do que enfeite literário para fazer valer o ditado que diz:FEITO PARA INGLÊS VER!. A Democracia, concluindo, não é nada mais e nada menos do que a concreta e efetiva condução do estado pela maioria daqueles que, com seu esforço e trabalho, contribuem para um crescente desenvolvimento e aprimoramento da sociedade como um todo.

      A Democracia, por ser conceitualmente centrada na idéia da liberdade incondicional do ser humano, ou seja, na inexistência de mecanismos que mantenham a sua vontade refém de outras vontades, exige, para que se torne real, a existência daquele que é a "célula" necessária para esta tenha vida e, como diz uma expressão de cunho cristão, vida em abundãncia, ou seja, o CIDADÃO. 


         Sem cidadania não existe democracia e isto pressupõe, para que esta seja pelo menos incipiente ou em idade infantil, a existência de uma maioria populacional já desfrutando da condição cidadã e que esteja firmemente engajada na tarefa de incluir, em seu seio, a minoria ainda excluída dessa condição. Sem a manifestação clara e efetiva desse engajamento, a Democracia permanece como realidade não acabada e com forte tendência à decadência e ao retrocesso, visto que ainda será um tipo de Ditadura, ou mais precisamente, uma Ditadura da maioria sobre a minoria.

    Por ser a "celula" básica da estruturação de uma sociedade democrática, o cidadão não é uma espécie de acionista de uma empresa S/A que, em determinados intervalos de tempo, recebe seus dividendos financeiros ou a contrapartida monetária pela venda de suas ações. A democracia não é um tipo de negócio ou uma modalidade contratual provisória, mas sim um estado de existência coletiva que se alcança para nunca mais retroceder. 


       Logo, o cidadão não é mero usuário de um sistema que lhe favorece, mas parte indissociável do mesmo por um motivo muito simples: A LIBERDADE EXIGE DOAÇÃO DO  PARTICULAR AO TODO E DO TODO AO PARTICULAR, visto que é dessa sinergia que emergem todas as estruturas que permitem que a liberdade seja o desfrute de algo intensamente prazeroso e gratificante. Sem essa interação harmônica e mutuamente fraterna entre o todo institucionalizado e o cidadão particular, a democracia não se afirma e nem se desenvolve porque não agrega e, ao não agregar, tende ao enfraquecimento e à morte.

    A Democracia pressupõe a liberdade que forja o cidadão feliz e engajado e esta, por sua vez, pressupõe a fraternidade que agrega e robustece o corpo coletivo, ou seja, sem a fraternidade que agrega e robustece o corpo coletivo, a liberdade não se afirma e, assim sendo, mais cedo ou mais tarde, encontrará as válvulas de escape que lhe permitam se manifestar. Dizendo de outro modo: NÃO HÁ LIBERDADE PLENA SEM FRATERNIDADE PLENA. 


    Qual o segredo ou "óleo mágico" capaz de lubrificar essa engrenagem que une fraternalmente, em nossa utopia democrática, os particulares entre si e o todo coletivo com cada um dos seus particulares?  Essa resposta já foi dada há muito tempo por todos os grandes iluminados que já pisaram esse planeta, ou seja, é o amor. 
   Sem amor não se forja ou sustenta nenhum tipo de respeito ou consideração pelos nossos semelhantes. Sem amor, não há unidade familiar, não há empatia social e, obviamente,  não há a emergência da fraternidade que agrega e cria as bases da liberdade coletiva.

      O amor, como todos sabemos, é a negação ou atenuação do eu em favor do outro, ou seja, é a negação do egoísmo que macula e impede o desabrochar natural da fraternidade. Se a Democracia ainda permanece como utopia - é possível, talvez, que em algumas poucas sociedades ela seja incipiente - isso tem relação com a nossa dificuldade em ver o outro como uma extensão de nós mesmos.  


      Grandes iluminados nos disseram para fazer aos outros tudo aquilo que gostaríamos que os outros nos fizessem, mas continuamos teimando em ignorá-los. Sem esse "óleo mágico", nenhuma engrenagem social se desenvolve ou amadurece e este é o principal motivo do fracasso dos modelos políticos que se pautaram por premissas de caráter racional-cientificista. Seja para o bem ou para o mal - uso aqui os termos no sentido da afirmação ou negação da democracia que estou falando - o ser humano não é apenas razão, mas sobretudo emoção. Sem o afeto, ainda que falso e dissimulado, ele não reage ou interage muito bem.

    Como massificar então o amor que promove a fraternidade e que por sua vez forja a liberdade coletiva que é a base da democracia? resposta: através da permanente e contínua promoção da cidadania. Ser cidadão é ser cúmplice do ambiente social ancorado na fraternidade que sustenta a liberdade geral. 


    A cidadania não pode e não deve se resumir a um título de eleitor, pois não pode ser menos que a plena garantia de ser partícipe nos dividendos e ônus da manutenção da fina e delicada flôr chamada Democracia. O Direito se ancora no dever, mas este não é sentido como algema ou grilhão, mas como dose do "óleo mágico" necessário para que a engrenagem política continue funcionando e nos felicitando com uma vida crescentemente melhor. 

     Os sistemas políticos do passado eram engrenagens secas que foram se desgastando com o passar do tempo, mas a Democracia, quando se tornar árvore frondosa, machado nenhum será capaz de derrubá-la.

    Particularmente, penso que a Democracia começou a ser gestada no ventre do liberalismo que pariu o mundo em que vivemos. Por esse motivo, ela não pode ser filha ingrata a ponto de não reconhecer os bons atributos de sua genitora liberal: promoção dos Direitos Humanos, da liberdade de consciência, da tolerância religiosa, etc.


   Não deve, todavia, deixar também de reconhecer o lado perverso dessa mesma mãe que, buscando negar a igualdade que a ameaçava, passou a negar também a liberdade e a fraternidade que inicialmente promoveu. Por conta dos desvarios do liberalismo das fases adulta e senil - a da atualidade - a Democracia foi tendo o seu crescimento e desenvolvimento muito dificultado e, hoje, mais uma vez, encontra-se em sérias dificuldades no Brasil e no Mundo. 

    Se ainda não há fortes indícios da proximidade da primavera, ou seja, da emergência de uma realidade global efetivamente democrática, não há como não reconhecermos que é nesta ainda jovem mulher que reside a esperança de um mundo caminhando progressivamente em direção à plena liberdade, igualdade e fraternidade, ou seja, em direção à consolidação das bases que sustentam uma sociedade que se quer justa, próspera e feliz.

   É preciso, portanto, lutar para que esta jovem mulher possa amadurecer e se desenvolver e não tenho dúvida que ela alcançará esse estágio numa forma de organização socialista, ou seja, na única forma de organização capaz de proporcionar verdadeiramente a fraternidade, a liberdade e  a igualdade - a ordem foi invertida propositadamente por este que escreve, pois entendo que é nessa ordem que o modelo precisa se desenvolver e aprimorar. É utópico ? Com certeza, mas sem uma utopia como norte não se caminha para lugar nenhum. É a partir dos sonhos que os homens adquirem força e coragem para enfrentar e transformar a realidade.