“O homem nasce livre, mas por toda parte está preso a ferros”. Esta frase, do filósofo Jean Jacques Rousseau, continua tão atual quanto na época do Iluminismo francês. Mas hoje estamos envoltos por uma falsa e ilusória crença de que vivemos num mundo democrático e livre. Somos livres para comprar tudo aquilo que o mercado nos oferece e que o nosso bolso é capaz de pagar, ainda que seja em 60 ou 80 meses. Somos livres para vivermos uma vida fútil, individualizada e alheia aos assuntos de natureza pública ou política, tal como somos livres para eliminar, semanalmente, um dos emparedados do Big Brother Brasil.
Permanecemos presos a ferros, porém, em nível mundial, por um sistema político-econômico que nos obriga a viver uma vida de intensa correria para ganhar o pão de cada dia e para pagar, pelo menos, o valor mínimo do boleto do cartão de crédito cujo saldo devedor não para de subir. Dizem que a escravidão por dívidas era uma forma de exploração do trabalhador que existia na Grécia Antiga pré-democrática e que existiu também durante o ciclo da borracha na Amazônia, mas pergunto: será que se trata de uma realidade presa ao passado ou uma realidade que se transformou e foi adaptada ao mundo atual? Será possível que os “ferros” que nos aprisionam hoje têm uma consistência diferente daqueles que agrilhoavam os escravos africanos que chegavam ao Brasil nos navios negreiros? Desconfio que sim.
Num artigo escrito nos anos 30, ou seja, bem antes do advento do computador e do processo de automação que caracteriza o sistema produtivo atual, o filósofo Bertrand Russel (2) afirmava que nenhum trabalhador, tendo como objetivo a produção dos bens exigidos por toda a humanidade da época, precisaria trabalhar mais do que quatro horas diárias. É certo que, de lá para cá, foram ampliadas as necessidades humanas por produtos e serviços, mas é inegável também que a capacidade de produção foi muitas vezes ampliada, o que nos permite afirmar que a manutenção das atuais jornadas de trabalho, no Brasil e no mundo, estão muito acima das reais necessidades sociais e denunciam, claramente, a sua real finalidade: a manutenção das altas taxas de lucros exigidas pelos grandes investidores de capital.
Em um mundo onde o acúmulo de dinheiro é colocado como objetivo superior às demandas mais essenciais dos seres humanos, não é de se estranhar a eclosão da violência sob as mais diferentes formas. O dinheiro deixou de ser um meio para garantir a vida, para ser um fim em si mesmo. O lucro, e não o ser humano, ocupa o centro do mundo. Como conseqüência, vemos que o desemprego e a fome, como exemplos, não são problemas gerados por questões sociais, mas por questões de ordem político-econômica. É vital que a classe trabalhadora da atualidade desperte a sua atenção para a realidade dos grilhões que continuam a acorrentá-la. Eles são hoje, talvez, mais sutis e menos perceptíveis, mas não são, com toda certeza, menos reais, concretos e, sobretudo, eficientes.
Viver tem um objetivo claro e inquestionável, que é ser feliz. E ser feliz nos exige também o dever de reproduzir, para os outros, a nossa própria alegria e felicidade. Eis, portanto, um sentido politicamente correto para a palavra “trabalho”, ou seja, gerar para si, e para todos aqueles que conosco compartilham a condição de humanos, as condições necessárias para o bem-estar de todos. O capital deve estar a serviço do interesse do homem e não o homem na condição de escravo do capital. Este é, sobretudo, o sentido do ressurgimento do “Lucta Social”, agora sob nova direção. Vida longa a esse valoroso jornal, que entra numa nova fase, mas que não abre mão do seu nome na ortografia de 1914, visto que, na grafia, a palavra “luta” deixou de ter o “c”, porém não perdeu o sentido com o qual a entendemos, ou seja, “em busca da liberdade”.
(1) Escrito por ocasião do relançamento do jornal "Lucta Social", em Manaus/AM.
(2) Russell, Bertrand. Em defesa do Socialismo, In: Elogio ao Ócio, Sextante, Rio de Janeiro, 2002.
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