MANDA QUEM TEM DINHEIRO E OBEDECE QUEM TEM NECESSIDADE

          “Manda quem pode e obedece quem tem juízo”. Creio que todos conhecem esse provérbio popular como creio que ninguém discordaria da sua modificação para “Manda quem tem dinheiro e obedece quem tem necessidade”, visto que tal mudança em nada modificaria o seu sentido. Na verdade, creio que essa versão modificada exemplifica melhor a lógica da sociedade liberal capitalista em que vivemos, onde o dinheiro não é uma simples base de troca de produtos, mas, sem dúvida alguma, um poderoso instrumento de controle e promoção social. Sua posse, num grande montante, confere um poder semelhante ao da espada do HE-MAN, herói dos desenhos animados, visto que, quando ostentado, transforma o seu detentor num ser poderoso, bonito e quase invencível. Alguém muito endinheirado, sem perigo de ser ridicularizado, fica à vontade para gritar, em alto e bom som, “EU TENHO A FOORÇAAAAA”.
          A posse de muito dinheiro, entretanto, não cria, no endinheirado ou cheio da bufufa, virtudes semelhantes aquelas do personagem HE-MAN, marcado que é pela preocupação com o bem estar dos habitantes do Reino de Etérnia. A espada do HE-MAN sempre o torna poderoso para agir com altruísmo, mas a posse de muito dinheiro, normalmente, transforma o seu detentor em alguém preocupado demais com a manutenção da sua condição de endinheirado, ainda que, não raro, sua condição tenha sido fruto de ações criminosas ou desonestas. Na lógica da sociedade liberal capitalista, o dinheiro possui poder por si mesmo, pouco importando o caráter do seu detentor. É ele, o dinheiro, o dono do poder e não aquele que o possui. Quem o perde, perde também toda a dignidade e prestígio que possuía diante dos que antes o cortejavam, pois o que eles cortejavam não era a pessoa em si, mas o desfrute que o seu dinheiro proporcionava. Triste é, de fato, na lógica dessa sociedade do ter, a condição de alguém que, depois de ser muito rico, cai na mais absoluta miséria material.
          É essa lógica que faz com que muitos jovens prefiram abraçar uma carreira dentro do narcotráfico do que seguir uma vida comum e digna através de uma profissão qualquer. É essa mesma lógica que faz com  que o crime se torne, cada vez mais, sofisticado e organizado, fenômeno, inclusive, bastante explorado pelos roteiristas de Holiwood. É também a realidade dessa lógica que faz com que milhões e milhões de pessoas, todas as semanas, deixem uma parte de seu suado dinheirinho nas agências lotéricas, pois sabem que um prêmio da mega-sena é tão ou mais poderoso que a espada do HE-MAN. O sonho do pulo do gato está na cabeça de todos porque todos são premidos e estimulados a agir dentro dessa lógica. É o novo modelo de carro que foi lançado. É a TV FULL HD de 50, 60, 100 ou 150 polegadas. É a bolsa, o sapato, o vestido ou um lugar chique. Tudo, quase tudo, nos empurra para a idéia de que a felicidade é algo que pode ser alcançado através da posse de coisas definidas como de grande valor. Não é por acaso que muitos fabricantes se empenham na produção de objetos cada vez mais caros, pois os ricos precisam ser estimulados a crer que ainda não possuem o suficiente.
          Ser socialista numa sociedade que funciona dentro dessa lógica perversa significa não uma loucura ou falta de lucidez como querem fazer crer os que se incomodam com os que a matrix capitalista não foi capaz de formatar, mas, sobretudo, de sanidade mental. Quem ainda é da espécie Homo Sapiens Sapiens sabe que os que mandam neste mundo são semelhantes ao Sr. Mustafá Mond, personagem do livro “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley. Quem ainda não leu, leia urgentemente. Na leitura inicial do livro você será fortemente estimulado a taxar o seu autor de louco e degenerado, mas, com paciência e percepção apurada, você descobrirá que está diante de uma mente genial e profundamente lúcida. Na ficção escrita em 1930, Huxley enxerga o futuro como um mundo marcado pela falência da família, pela banalização do sexo , pelo consumo de drogas em massa, pelo culto exacerbado à juventude e beleza física, pela futilidade da vida e dos costumes sociais, pelo desprestígio das Ciências Humanas, principalmente do conhecimento histórico. Será que esse mundo criado ficcionalmente em 1930 tem alguma semelhança com o mundo de hoje? Reflita e responda. 
          
          Ser socialista dentro da matrix capitalista é ter clareza de que a dignidade não está no ter mas no ser.  É não ser estúpido a ponto de achar que tudo deve ser regido pelas leis do mercado. É não achar  que a lei da oferta e da procura é absoluta e inquestionável. É crer que o estado existe para servir ao cidadão e não ao poder econômico. Os sofistas do liberal capitalismo querem fazer crer que ser socialista no século XXI significa sonhar com a reconstrução do Muro de Berlim ou a ressuscitação da União Soviética. Que comunista e socialista é tudo a mesma coisa e que todos comem criancinhas. São esses mesmos sofistas que sabotam qualquer política pública que vise melhorar os níveis de educação pública nesse país. São os mesmos que falam em livre mercado enquanto, por baixo dos panos, fazem as mais sórdidas negociatas com o poder público para fortalecer seus empreendimentos. Ser socialista, enfim, não é querer ser sempre do contra, mas sim ter a consciência de que o nosso objetivo, enquanto sociedade, continua sendo caminhar na direção de um mundo mais justo, igual e fraterno, onde os recursos públicos sejam, de fato, usufruídos por todos aqueles que honestamente produzem a riqueza de uma nação.

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