OURO DE TOLO II

Na lógica da sociedade capitalista, já disse isso em vários artigos anteriores, o ter se impõe sobre as necessidades do ser, resultando, com bastante freqüência, na existência de indivíduos que vivenciam a condição paradoxal de ser bem sucedido profissionalmente e infeliz existencialmente.   O saudoso Raul Seixas fala disso na música que, não por acaso, deu o título de “Ouro de Tolo”. Nela, o maluco beleza, que a bem da verdade era lúcido até demais, musicou o seguinte: “Eu devia estar sorrindo e orgulhoso por ter finalmente vencido na vida, mas eu acho isso uma grande piada e um tanto quanto perigosa. Eu devia estar contente por ter conseguido tudo o que eu quis, mas confesso abestalhado que estou decepcionado”.
            Ficar abestalhado com a decepção interior após a conquista de tudo aquilo porque se batalhou uma vida inteira decorre de uma realidade inquestionável, mas que os propagandistas de nosso modelo civilizatório se esforçam ao máximo para esconder: o ter, ainda que em grande medida, não é suficiente para satisfazer as necessidades do ser. Michael Jackson e Elvis Presley, que cito como exemplos apenas para ficar circunscrito ao do mundo da música pop, demonstraram, com suas vidas breves e cheias de percalços, tudo aquilo que estou querendo explicitar. Tanto Michael quanto Elvis foram vítimas dessa lógica ilusória e, sobretudo, opressora que destrói não apenas a vida de famosos, mas, sobretudo, de pessoas comuns.
Nesse mundo onde a lei de Darwin se mostra no dia a dia, ou seja, onde o mercado é a causa de uma competição brutal e generalizada para selecionar os melhores, todos são estimulados a acreditar que correm na direção conjunta do sucesso e da felicidade. Como se trata de um processo crescentemente seletivo, poucos, de fato, chegam ao tão almejado sucesso e, entre os que chegam até lá, muitos, tal como Raul Seixas, um dia se descobrem abestalhados e decepcionados. Enquanto escrevo estas linhas que me tomam tempo e não me rendem nenhum dindin, mas que me proporcionam grande prazer existencial, milhões de pessoas, pelo Brasil afora, estão estudando intensamente para obter uma vaga em concursos ou processos seletivos que chamam a atenção não pelo que exigirá futuramente dos aprovados, mas sim pelos bons salários que oferecem.
Na gangorra entre o ter e o ser, o ter se impõe pelo peso que a sociedade lhe dá. Entre um professor em paz consigo mesmo andando num fusca velho e um advogado estressado andando num Honda Civic, não há dúvida de que, podendo optar entre a vida de um ou outro, a grande maioria se decidirá pela vida do segundo, pois essa é a lógica que vamos assimilando desde pequeninos. Enquanto correm atrás da realização de seus desejos de ter, essa grande maioria deixa as necessidades do ser para um porvir que muitas vezes nunca chega. Nessa corrida, oprimem e aprisionam os sentimentos mais nobres que possuem dentro de si. Interessante, nesse sentido, é o relato que John Wood faz no livro “Saí da Microsoft para mudar o mundo”*1, onde avalia como acertada a sua decisão de abandonar uma promissora carreira como executivo para se dedicar a difícil e inglória tarefa de empreendedor social em países pobres da Ásia e da África. Para seus amigos, ele trocou ouro por ouro de tolo, mas, para ele mesmo, a troca se deu na relação inversa, pois relata que, graças a essa atitude corajosa, descobriu o seu verdadeiro eu e, junto com essa descoberta, a felicidade interior.
   Na lógica mercadológica da sociedade liberal capitalista há muito pouco espaço para a afirmação do ser sobre o ter porque nosso sistema de valores é orientado por cifras monetárias e não por nobres sentimentos.  Durante o transcurso da vida, entretanto, é natural e humano que venhamos a descobrir que não somos eminentemente consumidores de bens materiais. Mais importante e valioso que qualquer produto muito caro é a vivência de emoções que nos dêem a sensação de que a vida é bela. Se Roberto Carlos, o rei da música brasileira, estivesse me lendo nesse instante, diria sem pestanejar: Pô bicho, tu tem toda razão. Eis porque defendo um modelo civilizatório pautado pelos princípios da democracia e do socialismo.  Somente com o enraizamento destes princípios na dinâmica social poderemos criar condições que possibilitem um melhor equilíbrio entre o ser e o ter de forma que todos possam ter condições de vivenciar tanto a realização profissional quanto a felicidade existencial.
*1 WOOD, Jonh. Saí da Microsoft para mudar o mundo. Sextante. Rio de Janeiro.2007
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