A folgada vitória de Tiririca sobre Plínio


Com o fim do 1º turno das Eleições 2010 e a publicidade dos números das urnas um fato nos salta aos olhos: a vitória mais que folgada de Tiririca, candidato a Deputado Federal por São Paulo, sobre Plínio de Arruda Sampaio, candidato a Presidente pelo Partido Socialismo e Liberdade, o PSOL. Tiririca superou a marca de 1,3 milhão de votos enquanto Plínio ficou pouco abaixo dos 900 mil. Temos de frisar, entretanto, que o resultado de Plínio foi alcançado pela soma dos votos de eleitores espalhados por todo país enquanto Tiririca ficou restrito ao eleitorado de São Paulo. Isso significa dizer que se o Brasil fosse um estado unitário, ou seja, sem a divisão federativa, e Tiririca fosse candidato a Deputado Nacional, sua votação seria ainda muito mais esmagadora.


Esse resultado nos revela uma série de aspectos importantes para reflexão, mas aqui destacarei dois. O primeiro e mais preocupante diz respeito à alegria e satisfação dos autoritários de plantão, ou seja, dos inimigos da democracia. Para eles, o feito de Tiririca comprova a necessidade de limitação do voto e da participação popular na gestão governamental. Para eles, a massa é irracional e totalmente sem condições de dirigir o próprio destino. O poder, na visão dos autoritários, deve ficar restrito à elite econômica e à intelectualidade por ela chancelada. Para eles, os socialistas e os democratas não passam de lunáticos que defendem o inconcebível: a idéia de que todos nascem e são iguais em valor e dignidade. Eis o que se esconde por detrás da sórdida campanha que eles movem contra a difusão dos Direitos Humanos pelo mundo afora.


Para os autoritários, o mundo e as pessoas que nele habitam são desiguais e assim devem permanecer. No momento, entretanto, eles vão ficar quietos porque a eleição de Tiririca é um fato que os beneficia duplamente. Primeiro, porque fragiliza e debocha da democracia e, segundo, porque Tiririca está, mesmo sem ter nenhuma consciência disso, a serviço deles. Essa elite autoritária sabe que a massa vota guiada por afinidade e emoção. Tiririca é palhaço, mas é povão tal como Lula. Ele nasceu no gueto, sofreu muito, venceu e chegou lá. Todo mundo quer chegar lá e Tiririca funcionou como um tipo de veículo que a massa utilizou para, junto com ele, de forma imaginária, também chegar lá.


O segundo aspecto a destacar diz respeito ao componente mental por detrás do fenômeno Tiririca. Penso que todos, sem exceção, sonham com o paraíso e o Reino dos Céus na Terra, mas poucos crêem, de fato, que é possível dar um jeito nesse mundo louco em que vivemos. Reina, na crença geral, uma grande dose de conformismo com a realidade vivenciada e a POLÍTICA está muito distante de ser vista como um instrumento de transformação. É como se grande parte do povo brasileiro vivesse, com as devidas atualizações para a nossa época, no tempo da Grécia Arcaica, onde se concebia o poder e o destino de todos nas mãos dos deuses do Olimpo. Fazer política, nesse tempo, era, sobretudo, rezar e suplicar pelos favores que os deuses, no seu estado de bom humor, pudessem oferecer. Nessa lógica, o favor e não a mudança assume o lugar central do processo político.


No Brasil atual, os deuses do Olimpo assumem a forma de políticos que, eleição após eleição, sempre estão entre os eleitos. São seres quase inatingíveis e intocáveis e não há denúncia, por mais propalada e difundida pela imprensa, que os faça cair em desgraça junto ao seu fiel eleitorado. Estão, falando metaforicamente, acima do bem e do mal. Não fosse a Lei da Ficha Limpa, fruto do segmento da população que já se libertou dessa mitologia despropositada e que já pensa o poder em bases filosóficas, muitos deles iriam continuar rindo da nossa cara de forma estridente e desafiadora. Felizmente, os primeiros desta espécie já começam a tombar e espero, mais pela fé do que pela razão, que não sejam ressuscitados pelas mãos do STF.


Na atualidade, creio que pensar o poder em bases filosóficas seja, sobretudo, concebê-lo, sem negar a importância de Deus e das religiões em nossa vida individual, familiar e comunitária, como uma obra humana que deve, cada vez mais, ser utilizado para transformar nosso sonho maior em realidade. O sonho de um mundo onde todos possam viver em paz e harmonia. A vitória de Tiririca sobre Plínio nos mostra o quanto ainda temos de trabalhar para fazer esse sonho se aproximar da realidade concreta. O primeiro grande e enorme desafio é fazer crescer a crença de que ele é possível. Como consolo, constato a vericidade da frase utilizada por Tiririca em sua campanha: "Pior que tá não fica". De fato, é melhor ter um palhaço como deputado do que aquele monte de fichas-sujas nos tratando debochadamente como palhaços.

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