Plínio de Arruda Sampaio: um homem imprescindível


Há homens que lutam um dia. E são bons.

Há homens que lutam muitos dias. E são muito bons.

Há homens que lutam muitos anos. E são melhores ainda.

Porém há homem que lutam um vida inteira.

Esses são os imprescindíveis.

(Bertolt Brecht)

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- - - - - -Lá se vai mais um ano. Um ano eleitoral de grandes revelações. Na eleição presidencial, o candidato do PSOL, Plínio de Arruda Sampaio, obteve menos de 1% dos votos. Numa análise fria, pode-se pensar que o resultado foi um retumbante fracasso, mas não foi. Plínio saiu amplamente vencedor da eleição porque fez algo que no futuro será lembrado como um marco de ousadia. A ousadia de propor o novo mesmo quando o velho ainda se mostra com grande força e vigor. Paradoxal nesse sentido é a constatação que a bandeira do novo foi ostentada por um porta-bandeira de 80 anos de vida e mais de 60 dedicados à luta em prol de um sonho ainda distante: o sonho de um mundo verdadeiramente livre, igualitário e fraterno. A marcha ainda se monstra muito longa, porém, mais importante que a distância a ser percorrida é a certeza de se estar no rumo certo.

- - - - -Nesse sentido, Plínio, com seu exemplo pessoal, inspira confiança e reacende a convicção, sobretudo nos mais jovens, daquilo que o poeta Fernando Pessoa um dia expressou: TUDO VALE A PENA SE A ALMA NÃO É PEQUENA. E foi pensando nessa grande alma que é Plínio de Arruda Sampaio que, neste findar de ano, transcrevo trechos de um entrevista que deu no final de 2006, logo após participar da disputa para o Governo de São Paulo. Vale a pena destacá-la porque a mesma revela uma das características dos homens imprescindíveis. A FIRMEZA E A COERÊNCIA AO LONGO DO TEMPO.


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ENTREVISTADOR: O senhor disse que não há mais esquerda no Brasil.





PLÍNIO: O que é esquerda? é o partido comprometido com a transformação da sociedade. A transformação social vem lá da Revolução Francesa. Sentaram-se à esquerda aqueles que queriam transformar o regime monárquico numa república. No caso era uma república burguesa. Mais queriam mudar o sistema. Aqui no Brasil esquerda é quem quer mudar o regime capitalista. O PT quer administrar o regime capitalista de uma certa maneira. Diferente de como o tucano administra. Nós do PSOL, do PSTU, do PCB queremos mudar o regime. Nós continuamos com a primeira proposta do PT de criar uma sociedade sem exploradores e explorados, que é o manifesto do PT. Que é a famosa frase do Marx. Essa consignação de mudar o sistema o PT abandonou claramente, só se engana quem quiser.


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ENTREVISTADOR: Mas desde a campanha já havia sinais disso. Será que as dissidências, incluindo o senhor, não estariam pagando pra ver como seria o PT no poder?




PLÍNIO: Eu estava na oposição, de certa forma, desde 94. Na oposição interna. Essa oposição nós não punhamos para fora porque o PT era o único partido criado pelo povo brasileiro. A criação do PT foi um avanço extraordinário. Nós não queríamos pegar aquele patrimônio político do povo e expô-lo a uma disputa interna antes da coisa ficar claríssima. Mas nós já estávamos em dificuldade já havia tempo. Emm 1998, o Lula promoveu um debate em função de uma proposta que eu fiz a ele. Eu propuz a ele que fizesse uma campanha como a que eu fiz agora (em 2006). De ir a televisão e dizer tudo. Dizer, olha, isso aqui é um engano. Estão fazendo promessas. Não vão cumprir. O que importa é discutir a igualdade. Essa foi a campanha que um fiz com aqueles dois minutos. Mas o Lula, com o gigantismo de sua campanha e do seu nome, teria condições de fazer. (...) Mas eu pensei, eu vou romper agora? E o povo? Nós só saímos quando ficou insuportável.


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ENTREVISTADOR: Já se desiludiu nos anos 70 com FHC e agora com LULA.

PLÍNIO: Foi. Eu tenho sido muito traído. Eu tenho sido muito decepcionado mesmo. Com o Fernando também foi a mesma coisa. Nós fizemos a campanha do Fernando pra criar um partido popular, democrático e socialista. E quando ele teve aquela votação pra senador, preferiu fazer um "rala" dentro do PMDB. E veio falar comigo. Eu falei NÃO. EU NÃO. Desci do bonde. E agora a mesma coisa. Eu sou fiel a uma vocação que eu tenho. E é uma posição que assumi em 1961. Eu tinha 31 anos nessa época e já não era mais da juventude católica. Eu já era Secretário de Estado. Já tinha uma presença política maior. Era secretário de negócios jurídicos do Prestes Maia. E eu fiz uma declaração pública pelo Socialismo Cristão naquele tempo. Hoje eu não ponho mais nenhum adjetivo. É socialismo e ponto. Com os valores cristãos que eu tenho. E que são perfeitamente compatíveis com o socialismo. Desde aí eu tenho uma posição muito clara. No exílio inteiro nós discutimos isso com o Fernando, com o José Serra, com o Almino, com Paulo Freire. Essa foi a discussão do exílio: formar um partido socialista no Brasil. Eu vim. Tentei fazer com o Fernando. Não fez. Surge o Lula, a possibilidade do PT como partido socialista. Eu entrei de peito. Fiz o que pude. Não tive êxito. Agora vamos fazer no PSOL. Tem muito tempo ainda. O Brasil tem muito tempo pela frente.

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ENTREVISTADOR: FHC e LULA seriam populistas que se aproveitaram de um momento?

PLÍNIO: O Fernando não era um populista. Era um político hábil que se aproveitou de uma circunstância, sem dúvida. Ele escondeu a posição de direita dele com uma fraseologia de esquerda muito bem feita. E cercando-se de pessoas de esquerda. Almino, Welfort. Eu acredito que todos eles foram muito impactados pela crise do socialismo. Foram desviando, desviando. O LULA sim é um homem que assumiu uma postura populista. Não era. Não tinha. O Lula era um homem de partido. Ele tinha no partido uma grande posição, mas era um homem de partido. Ele foi involuindo à medida que o partido foi perdendo força. Isso é um processo coletivo e não foi só o LULA. Acho que todo mundo aí errou um pouco. (...) Eu tenho uma hipótese que é o fato de nós não termos conseguido fazer pra valer a consulta de base. A existência dos núcleos de base. Havia resistências de muitos lugares, inclusive da ultra-esquerda do partido, que tinha uma idéia muito aparelhista. (...) Eu tive muita dificuldade de colocar um trabalho de base real por causa dos próprios grupos de esquerda. Eles boicotavam o núcleo de base. Eles tinha uma fraseologia incompátivel com a incorporação de gente do povo na base.


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ENTREVISTADOR: O senhor enxerga um caminho da forma como Marx delineou mesmo?

PLÍNIO: Nisso eu sou bem marxista. Tem muitas coisas em que eu não sou marxista. Mas nisso eu sou. O socialismo exige uma certa abundância temporal. Ele é, antes de tudo, uma revolução cultural. É uma visão diferente do mundo. O mundo na época da escassez era um mundo competitivo. Isso tem 500, 1000 anos. Na época da abundância é que você pode se propor outros valores de vida que não o consumo. Nisso nós ainda estamos engatinhando. Mas eu acho o seguinte: nós não podemos abolir a propriedade privada no Brasil. Seria um caos. Ninguém consegue nem entender. (...) Nós precisamos ir fazendo isso por aproximações sucessivas. Isso é muito diferente de dizer: como o socialismo é horizonte, aqui eu vou fazer capitalismo. NÃO! Tem (os) que fazer a luta socialista já!

(TRECHOS DE ENTREVISTA CONCEDIDA A FAOZE CHIBLI, PUBLICADA NA REVISTA SOCIOLOGIA:CIÊNCIA E VIDA, ANO I, nº 1, p. 6-13)

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