“Todas as vezes que os governos pretendem realizar negócios, eles o fazem menos bem e com menos vantagens do que nós”[1]. Essa frase de Benjamin Constant, pronunciada em 1819, venceu as barreiras do tempo e chegou até nós no argumento que diz que o setor privado é sempre mais eficiente e menos custoso que o público. Se é privado, é bom, se é público, é ruim ou péssimo. Dessa idéia base emergiu a idéia do estado mínimo que, em linhas gerais, significa a não atuação do poder público nas áreas em que a iniciativa privada, em tese, atuaria com mais desenvoltura e mais eficiência.
Atrelada à idéia do estado mínimo está a que diz que a lei da oferta e da procura é uma lei adequada para a regulação social. Nessa lógica, é paternalista toda ação estatal voltada para a redução da pobreza, visto que o crescimento econômico, por si só, é visto como um remédio plenamente capaz de solucionar esse problema. Mas se o estado não deve atuar nas esferas dominadas pelo setor privado e nem no combate às desigualdades sociais, onde então ele deve centrar seu foco? A resposta liberal é simples e direta: no aprimoramento do funcionamento da economia, pois, no final das contas, é ela quem irá resolver todos os problemas da sociedade.
Já faz tempo que essa lógica vem sendo aplicada por governos pelo mundo afora. No Brasil, ela foi aplicada com mais vigor, principalmente, a partir de Fernando Collor, quando avançou a abertura da nossa economia ao capital estrangeiro e o processo de privatização das grandes estatais. No discurso, essas ações tinham um fim: modernizar a nossa economia e elevar o padrão de vida dos brasileiros. Na prática, o que se viu e vê é um apequenamento crescente do estado diante dos setores privados de modo que hoje se pode afirmar que, do estado mínimo, chegamos ao estado micro e, se assim continuar, logo chegaremos ao estado microscópico (aquele imperceptível a olho nu).
Na lógica do estado mínimo, educação e saúde são áreas de atuação prioritária do estado. No Brasil atual, porém, vemos que é crescente o gasto privado nesses setores e que, na saúde, já é maior que o gasto público. Segundo o IBGE, entre 2000 e 2005, o gasto público com saúde representou, na média, cerca de 3,2% do PIB enquanto o gasto familiar atingiu a média de 4,9%. Se cada vez mais brasileiros usam os serviços privados de saúde, era de se esperar, já que o estado tem aumentado a sua mordida nos contribuintes, que o público melhorasse significativamente, mas, contrariando essa lógica, piora a cada dia que passa.
No Amazonas, a lógica do estado mínimo tem sido seguida à risca pelos governantes de plantão. Manaus, por exemplo, teve o seu sistema de água privatizado para que a população, graças à pretensa maior eficiência e economicidade do setor privado, tivesse água farta e de qualidade. Na prática o que se vê é um povo sem a prestação de um serviço adequado, pagando caro pelo mesmo e a mercê de uma empresa que não sofre nenhuma represália do poder dito público. É claro como água cristalina que essa retórica visava e visa um único objetivo: ampliar as áreas de atuação do capital privado para que este possa se multiplicar e remunerar satisfatoriamente os especuladores que participam desse jogo sórdido.
Na prática, o que se vê é um estado completamente capturado pelos interesses privados, fato que desmascara, para quem é capaz de vê, a farsa democrática da atualidade. Não há hoje praticamente nenhum setor, público ou privado, que não esteja sob controle de um determinado grupo organizado. É essa lógica que faz, do jogo dito político, um grande balcão de negócios. Nesse jogo sórdido, mega projetos são apresentados como a redenção de problemas que não podem e não devem ser resolvidos, pois sua finalidade é uma só: justificar o gasto tresloucado dos recursos públicos. Essa é a principal lógica por detrás do projeto Copa 2014 em Manaus, da construção do monotrilho e de outros executados em nosso passado recente.
Até o que dizem ser programas de amparo social não vão muito além de fraudes legalmente justificadas pela chancela do estado. Um exemplo disso é o PROUNI federal e o Bolsa Universidade de Manaus. Na ponta, há um cidadão carente que não tem como custear um curso superior e o estado vem financiá-lo parcial ou totalmente. Até aí tudo bem. A fraude, porém, está no fato de tratar-se de um serviço que o estado, ainda que mínimo, tem obrigação de prestar diretamente, mas, apesar disso, o transfere para a iniciativa privada que, dessa forma, apropria-se de um montante de recursos públicos que é dificílimo de calcular, haja visto as crônicas limitações de fiscalização dos órgãos de defesa dos contribuintes.
O cruel e enganador desse esquema reside na baixa qualidade dos cursos superiores oferecidos que, não raro, servem apenas de enfeite na parede, pois o acesso ao emprego bem remunerado exige uma crescente e inglória especialização que vai consumindo recursos cada vez maiores de quem não o dispõe. Mas, por mais ausente que seja, esse estado, que de mínimo passou a ser micro, vai se tornando crescentemente mais caro para os contribuintes, fato que, volta e meia, resulta na criação de um novo tributo. Como explicar esse fenômeno fora da lógica do crescente financiamento do setor privado pelo público? Quem discordar de meus argumentos, que explique por favor.
Lembram daquela frase utilizada por uma comediante da TV que diz “Isso aqui não te pertence mais!”. Pois é, parece que o estado brasileiro, nas suas três esferas, está progressivamente assumindo essa condição para os brasileiros comuns (aqueles que não possuem nenhum tipo de concessão ou boquinha no setor público). Ele está progressivamente deixando de nos pertencer porque vai se tornando menor a cada dia que passa. A superação de nossas mazelas passa pela retomada do crescimento do estado, porém, nos dias atuais, isso tem o seguinte significado: torná-lo útil e fundamental na solução dos problemas cotidianos que afligem a nossa população (educação, saúde, transporte, segurança, lazer, cultura e outros) e, sobretudo, torná-lo verdadeiramente transparente e democrático. Isso, todavia, exige de nós o que nos tem faltado enquanto sociedade: atitude cívica. Quem se habilita?
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