GRÉCIA: DE BERÇO DA DEMOCRACIA À PÁTRIA DA DIVIDOCRACIA – Ato nº 2


Para entender como a Grécia do presente se tornou a pátria da DIVIDOCRACIA temos de partir de um fato bem objetivo: o governo grego, já faz algum tempo, vem acumulando déficits fiscais, ou seja, gastando mais do que arrecada e cobrindo a diferença com empréstimos no sistema financeiro. Foi esse enredo que gerou o impasse que hoje está posto onde, de um lado, o BANCO CENTRAL EUROPEU (BCE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) exigem, do parlamento grego, como contrapartida da liberação de novos empréstimos, a aprovação de um pacote de medidas com cortes radicais no orçamento público, principalmente, na área social. Do outro lado, está a população grega que, em massa, foi às ruas protestar contra a intenção do governo em aceitar as imposições desses órgãos financeiros.
Segundo a versão dos analistas a serviço do grande capital, a Grécia é vítima da fraqueza e má gestão orçamentária de seus governantes e de uma suposta predisposição dos gregos para a preguiça, pois, segundo dizem, o estado concedeu e mantém privilégios acima da média aos trabalhadores do país, ou seja, que a culpa é do povo grego e que, em vista disso, deve pagar pelos efeitos da crise. O que essa mesma mídia não diz ou pouco menciona é o fato da Grécia, entre 1950 e 1973, ter crescido a uma média anual em torno de 7% e que, nesse período, o seu ritmo de crescimento somente foi superado pelo Japão, uma das locomotivas do mundo capitalista. Se trabalharmos com dados mais recentes, ou seja, do crescimento do PIB de 2003 a 2008, veremos que a Grécia continuou crescendo acima da média europeia, ou melhor, em torno de 4% ao ano.
Será preguiçoso um povo que fez seu país crescer economicamente num ritmo bem acima da média mundial? Outro ponto também pouco mencionado pela mídia diz respeito à excessiva concentração de renda verificada nesse longo período de crescimento, ou seja, o afunilamento da pirâmide social e o aumento do percentual de riqueza no topo da mesma. Esse fato tem relação direta com a crise atual, visto que quase toda a dívida tem a ver com a ambição desmedida da elite grega, seja por associação a negócios escusos e nebulosos com empresas transnacionais seja por práticas corruptas e ilegais exercendo altos cargos na administração pública. Num dos casos que se tornou público e escandalizou a nação grega, investigações apontaram um total de mais de 110 milhões de Euros em propinas pagas pela multinacional SIEMENS a altos funcionários do governo. Propinas pagas para a concretização de compras de armamentos, sistemas informatizados, equipamentos de telecomunicações e outros.
Outro ponto também que pouco se houve falar diz respeito aos itens que mais contribuíram para a insolvência do estado grego. Para facilitar a visualização de quem lê o ato n° 02 da tragédia grega, vou expor destacadamente, nas linhas abaixo, os de maior peso nas contas públicas da Grécia.
1.      Absorção pública de dívidas contraídas por empresas privadas gregas no momento de ingresso da Grécia na Zona Euro e em ajustes econômicos posteriores;
2.      Compras de armamentos e equipamentos diversos para as forças armadas (caças de última geração, submarinos, fragatas, etc);
3.      Financiamento público da maior parte dos gastos para a realização, em Atenas, das Olimpíadas de 2004; e
4.      Encargos financeiros (juros) resultantes de empréstimos junto a bancos privados franceses e alemães
Pelos itens acima destacados, percebe-se claramente que nenhum deles teve relação direta com a implantação de programas sociais ou privilégios concedidos aos trabalhadores gregos. Com relação ao ponto 4, é importante destacar o caráter perverso e especulativo do sistema financeiro internacional, visto que estes bancos que emprestaram dinheiro ao governo grego com taxas entre 3 e 7% foram os mesmos que pegaram dinheiro público emprestado pelo Banco Central dos EUA (o Reserva Federal) e pelo Banco Central Europeu (BCE) a taxas em torno de 0,5% ao ano. Esses empréstimos do Reserva Federal e do BCE para bancos privados foram justificados como medidas para o reaquecimento da economia internacional em face da crise de 2008, ou seja, surrupiou-se dinheiro de contribuintes pessoa física para que especuladores em crise pudessem melhorar seus balancetes anuais.
Por tudo o que se vem observando e constatando na crise grega atual, há muito de caráter odioso e de ilegitimidade na dívida que se quer lançar nos ombros da injustamente difamada e, por isso mesmo, cada vem mais revoltada população grega. Sobre isso, porém, falarei no ato n° 03 dessa tragédia.


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