Por Fernando Lobato - Historiador
Antes da relação íntima – e por que não dizer promíscua – entre estado e economia do capitalismo predominava uma relação – não menos promíscua – entre estado e religião. O Estado Laico, uma das grandes vitórias do liberalismo, ganhou força no contexto da condenação geral das atrocidades cometidas em nome da fé. Os Tribunais do Santo Ofício da fase inquisitorial Católica são um dos muitos exemplos de insanidades praticadas em nome de uma visão distorcida de Deus. Relendo o Novo Testamento, foco um episódio que me aguçou a percepção sobre a inquietude política gerada pela pregação de um filho de carpinteiro de nome Jesus. Perseguido e desacreditado de todas as formas pela elite sacerdotal de sua época, nos revela, com sua história, a face maléfica, de ontem e de hoje, da mistura de fé cega com poder corrompido. O episódio está em João 18 e 19, onde, de início, destaco a hipocrisia dos sacerdotes que, apesar de cheios de ódio, se recusam a entrar em recinto romano -lugar “impuro” para eles- a fim de permanecerem “puros” para a Páscoa. Queriam matar Jesus, mas não o ônus da autoria. Queriam que Pilatos fizesse o serviço sujo ao colocar Jesus como inimigo de Roma, ou seja, de César, mas o que ele vê é um idealista que diz que seu reino não é deste mundo porque não há quem o defenda. Contra sua consciência, manda açoitar Jesus para satisfazer os sacerdotes, mas eles, depois de influenciar na votação que libertou Barrabás - Ver Mateus 27 -, exigem a sua morte. Ameaçando Pilatos veladamente dizem: Se soltas este, não és amigo de César, pois quem se faz rei é contra César. Ouvindo isto, Pilatos fraqueja e, expressando desgosto, manda botar o termo “Rei dos Judeus” na cruz de Jesus.
Antes de se render, Pilatos ainda questiona: “Ei de crucificar o vosso rei?” e eles, com toda falsidade, retrucam: “Não temos outro rei, senão a César”. O mesmo César de quem, privadamente, desejavam se ver livres. E assim, aquele que fazia uma incômoda pregação de libertação - sobretudo da consciência que diz que mentir é pecado, roubar é crime e que o amor ao próximo é um dever – é mandado para a cruz. Lendo João, penso e reflito: Será que, em questões de poder, não continuamos optando pelos Césares? Quando silenciamos em prol de comodidades não fazemos igual a Pilatos? Será que este mundo nunca será o reino da bondade e da justiça (Reino de Deus) por que não há quem o defenda? Até quando serão assassinados os poucos que lutam por um mundo melhor e absolvidas as Jaquelines Roriz da vida? Responda quem puder!
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