O Brasil de classe média da Dilma, O Cirque Du Soleil e o show que não para no sinal vermelho



Por Fernando Lobato_Historiador


“Daqui de cima da laje se vê a cidade...Como quem vê por um vidro o que escapa da mão...Os exilados de uma lado da realidade...outros reféns sem resgate da própria tensão”. É assim que o mestre João Bosco, na música Malabaristas do Sinal Vermelho, começa retratando uma cena muito comum na “paisagem” urbana brasileira. A cena daqueles que se viram, contorcem ou saltitam nos 20 ou 30 segundos em que cavaleiro(a)s montado(a)s em seus cavalos motorizados aguardam a luz verde para voltarem a acelerar. Já se vão muitos anos desde que comecei a vivenciar essa cena e, pelo que tenho observado ultimamente, principalmente aqui em Manaus, percebo que a atividade vai se diversificando e também se tornando cada vez  mais espetaculosa.
No início eram apenas pequenos garotos jogando bolinhas ao ar sem muita segurança e animação, mas agora vejo homens e mulheres de certa idade lançando ao ar não apenas bolas, mas facas enormes e até tochas de fogo com grande destreza e habilidade. Também não é incomum ver estes lançamentos sendo feitos em cima de uma única roda de bicicleta se movendo pra lá e pra cá. Se a "especialização" e produção continuar nesse ritmo, muito em breve, verei malabaristas do sinal vermelho no mesmo nível dos que o Cirque Du Soleil costuma contratar para seus shows caríssimos e muito bem produzidos. Outro dia assisti um show de mágica de um senhor de uns 50 anos impecavelmente vestido. A sua simpatia me conquistou e, com prazer, depositei uma moeda de R$ 1 no longo chapéu preto que me estendeu. Apesar de expectador involuntário, no final, achei que aquele senhor nos deu muito mais do que recebeu, ou seja, um momento de ludicidade e descontração naquele estressante trânsito engarrafado.
No pronunciamento que Dilma fez no último Dia do Trabalho, disse que o Brasil já é um grande país de Classe Média, visto que, nunca dantes na História desse país, diria Lula se junto estivesse com a presidenta, são tantos os milhões de brasileiros que melhoram de vida e ascendem socialmente. Em minha opinião, acho que os artistas e malabaristas do sinal vermelho, que crescem a cada dia que passa, há muito já estão incluídos nessas estatísticas, pois é quase certo que, de R$ 1 em R$ 1, tenham uma renda familiar entre R$ 291,00 e R$ 1.019,00, a faixa de rendimentos utilizada pelo governo para definir quem é de Classe Média. Fico assustado com isso porque, por esse critério, quem ganha acima disso é considerado de classe alta e, portanto, começaria a ficar a mercê de assaltos, sequestros, etc. Será esse o padrão de um país rico para PT e aliados? Será esse o padrão de um país livre da pobreza? 
Devo, todavia, já que falei na presidenta e no seu governo, analisar os nossos malabaristas do sinal vermelho sob o enfoque economicista presente na cartilha que Dilma, Lula e FHC seguiram nos últimos 20 anos. A especialização crescente e a variedade das apresentações seria fruto da maior concorrência e disputa pelos sinais vermelhos mais bem frequentados?  São as regras do livre mercado que forçam esses mesmos malabaristas a investir mais recursos nas suas apresentações? Estariam eles conscientes de que a satisfação crescente dos clientes implica em melhor faturamento nos sinais?  O que Adam Smith, se fosse ressuscitado, diria a estas pessoas para melhorarem a sua competividade e, por consequência, o seu desempenho econômico ?
Creio que Smith se mostraria absolutamente horrorizado com o mundo capitalista que se ergueu com base em suas premissas. Mas onde a economia neoliberal silencia, a SOCIOLOGIA, ciência que FHC praticava até se tornar presidente, FALA. Nesse sentido, destaco o livro do sociólogo Ruy Braga, A POLÍTICA DO PRECARIADO: Do populismo à hegemonia lulista (Boitempo, 2012). Nele, Ruy nos mostra que o proletariado que serviu e serve de base de apoio aos governos Lula e Dilma está cada vez mais PRECARIADO. Dos quase 17 milhões de empregos formais gerados na gestão de Lula, quase 16 milhões foram relativos a ocupações que pagavam até 1 salário mínimo e meio, ou seja, em torno de R$ 1.000,00.  Percebe-se que, com base no estudo de Ruy Braga, a lógica do governo é a seguinte: CONQUISTE UM EMPREGO GANHANDO UM SALÁRIO MÍNIMO E SEJA BEM VINDO À CLASSE MÉDIA E A SOCIEDADE DE CONSUMO DE PT E ALIADOS. A verdade, todavia, é que se trata de uma "classe média" com pouca ou nenhuma qualificação profissional e que, cada vez mais,  é utilizada em trabalhos terceirizados ou temporários e, por conta disso, com altos níveis de rotatividade. Fato que, obviamente, infla para cima as estatísticas de geração de emprego formal das quais o governo tanto se gaba.
É um segmento enorme de nossa população que antes não estava incluído na tal sociedade de consumo, mas que está pagando um preço muito alto por isso, seja submetendo-se a condições degradantes de trabalho seja sendo superexplorada em troca de um muito pouco que parece muito pra quem nunca teve nada. É esse o paraíso prometido pelo PT aos trabalhadores? É esse o país de classe média que Dilma está legando aos brasileiros? Será esse um dos motivos por detrás do aumento crescente dos malabaristas do sinal vermelho? Muitos estariam começando a perceber que, melhor que a rotina estafante e mal remunerada de quem deixou a informalidade, seria a volta à mesma nem que seja se virando nos 30 num sinal? Eis porque a lógica hegemônica atual é tão dependente da concessão de bolsas assistenciais ou clientelistas ( os dois termos são válidos para nossa realidade). Sem elas,  a CHINALIZAÇÃO PIORADA DO LULOPETISTMO - ver artigo que escrevi neste mesmo espaço - fica completamente desmascarada e seus mentores, tanto os antigos - a burguesia reacionária que hoje dá apoio ao governo em troca de concessões imorais e bizarras - quantos os novos (os outrora "esquerdistas" radicais que combateram a ditadura e hoje estão no poder) ficam muito mal na foto.

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