A semente do Chico, os anos 70 e a geração pós-ditadura

O ano de 2014 começou querendo reeditar junho de 2013. A geração pós-ditadura, pelo que se anuncia, busca redespertar o gigante


Por Fernando Lobato_Historiador


História e Arte são amigas íntimas que se influenciam mutuamente, sendo muito comum vê-las caminhando sempre muito próximas. Em 1975, Chico Buarque escrevia a letra da música “Tanto Mar”. Nela, falava de uma “festa” que ocorria em Portugal. Uma “festa” que jogava morro abaixo uma ditadura fascista de 41 anos (o Salazarismo). Chico, tentando driblar a censura da Ditadura Militar tupiniquim, cantava: “Sei que há léguas a nos separar, tanto mar, tanto mar....sei também como é difícil pá....navegar, navegar....Canta a primavera pá.....cá estou doente...manda urgentemente algum cheirinho de alecrim...Foi bonita a festa pá...fiquei contente...ainda guardo renitente um velho cravo para mim....já murcharam a tua festa pá, mas certamente, esqueceram uma semente nalgum canto do jardim....sei que há léguas há nos separar, tanto mar, tanto mar...sei também como é difícil pá....navegar, navegar....
E assim, de forma poética e melodiosa, Chico exaltava a Revolução dos Cravos, uma revolução de orientação socialista liderada por militares do Exército Português. Quando entoa “já murcharam a tua festa pá”, Chico destacava a reação conservadora que brecou várias das pretensões iniciais da revolução, com o consolo de que esta deixara sementes que muito bem podiam chegar até a banda de cá, a banda que estava doente e que muito carecia de um “cheirinho de alecrim”. A banda governada por militares de orientação oposta a daqueles que, na banda de lá, derrubavam o Salazarismo e tentavam tirar Portugal do atraso social e econômico. Enquanto os de lá afastavam a elite tradicional e abriam caminho para a democracia, os de cá agiam como guardiões de nossa elite corrupta e, pior do que isso, prendiam e sequestravam uma democracia adolescente ansiosa por crescer e amadurecer. Uma democracia que não pedia muita coisa: apenas justiça social e um poder de estado que se colocasse a serviço de todos.
A Ditadura Militar, o estudo da História do Brasil nos revela, não foi muito além de uma dura intervenção norte-americana com apoio da elite burguesa local para coibir o avanço daquilo que chamavam de “comunismo”. João Goulart, o tal agente do “comunismo” internacional, era avesso a esse ideário político. Estava inclusive, à direita de Leonel Brizola, acusado de radical dentro do PTB. Mas foi o “radical” Brizola, quando Jânio Quadros renunciou e o golpe já era iminente, que mobilizou a opinião pública contra os militares golpistas apoiados pela UDN, a ARENA antes do golpe de 64. João Goulart ainda conseguiria sentar na cadeira presidencial sem nenhum poder, visto que, assim como DILMA aprovou a Lei dos Portos em tempo recorde, o Congresso aprovou uma emenda que instituiu o parlamentarismo. Quando o povo derrubou o parlamentarismo através de um plebiscito, o golpe tornou-se o único meio de nossa elite impedir a maioridade de nossa democracia ainda juvenil. Eis o sentido do 31 de março de 1964.
A Ditadura Militar não apenas impediu que nossa democracia atingisse a maioridade como também usou de muitos instrumentos de “persuasão” (prisões, torturas, assassinatos e legislações autoritárias) para “convencê-la” da “idiotice” que era seu desejo de se tornar adulta. Era preferível que recusasse até mesmo a adolescência para redescobrir os encantos e a poesia da idade infantil. Os 20 anos de Ditadura Militar tiveram essa capacidade perversa: de infantilizar e domesticar a sociedade brasileira. Mas como todo truque ou malandragem tem limitações, não foi possível impedir a geração seguinte de crescer, amadurecer e tomar gosto por aquilo que chamam de democracia, ainda que limitada e amputada. Em junho de 2013, foi essa geração, sobretudo, que tomou as ruas dizendo o seguinte: “da copa eu abro mão, quero saúde, emprego e educação!”.
O ano de 2014 inicia com o retorno dessa geração às ruas repetindo o mesmo refrão de 2013. Eu, particularmente, fico imensamente feliz em ver pessoas ainda tão jovens querendo assumir o controle do próprio destino. A experiência e a capacidade de avaliar a conjuntura não é, com toda a certeza, o seu ponto forte, mas sobra-lhe vontade de querer transformar e isso, num país abatido pela apatia e pelo medo durante tanto tempo, é algo vital e essencial para a superação do marasmo e da persistente embromação dos poderes oficiais. Poderes que se mostram até mais corruptos do que antes e que teimam em querer assim permanecer. O enfrentamento do novo e do velho irá acontecer inevitavelmente. Como irá agir esse governo formado por muitos opositores da ditadura? Vão repetir seus algozes do passado? Até junho saberemos!



Comentários