Por Fernando Lobato_Historiador
Quando o rei Luís
XVI convocou a Assembléia dos Estados Gerais em 1789, imaginava cumprir o rito
de costume, ou seja, reunir, votar e aprovar o aumento do arrocho sobre o 3º estado,
ou seja, sobre os 97% que pagavam os tributos sem se beneficiar deles porque
ainda inexistia o princípio da igualdade jurídica e a sociedade francesa,
portanto, estava dividida legalmente entre os com e os sem privilégios e onde os
privilegiados (os 3%) não pagavam nenhum centavo ao erário. Se o rito
tradicional se mantivesse, Clero e Nobreza, representando o 1º e o 2º estado, votariam
em benefício próprio como sempre faziam e o terceiro estado levaria a pior
porque o voto era por estado e não pelo total de membros presentes na
assembléia. O 3º estado, já ressabiado, não aceitou esse tipo de votação e,
aproveitando o ensejo, já que representava a maioria do povo francês,
declarou-se em Assembléia Nacional Constituinte e, com esta decisão, liberou o
gênio revolucionário que estava preso há séculos na garrafa do estado
absolutista francês e que depois se espalhou pela Europa e pelo mundo afora.
A elite
tradicional brasileira costuma se colocar em defesa da “democracia” toda vez
que seu poder diminui em função de políticas que lhe desagradam ou que lhe reduzem
privilégios e vantagens, sobretudo aquelas no campo econômico, ou aquelas que
lhe subtraem a possibilidade de “mamar” impunemente nas “tetas públicas” ou de
nomear seus parentes e protegidos para as mais diferentes funções de um estado ainda
bastante perdulário e inoperante exatamente porque permanece preso a essas
amarras históricas. Quando Getúlio, entre 1950 e 1954, demonstrou ser mais
forte que as elites, estas armaram todo um jogo para difamá-lo, isolá-lo e
enfraquecê-lo e, como desfecho, dar-lhe o bote final escorraçando-o da Presidência
pela porta dos fundos. Não contava ela, porém, com um tiro que desarmou e desbaratou
todo o esquema porque a massa, em prantos, foi às ruas chorar aquele que, bem
ou mal, era bem visto por ela, apesar de nunca também ter deixado de zelar
pelos interesses dos mais ricos. O tiro, no final das contas, além do peito de
Getúlio, acertou em cheio às ambições golpistas em curso.
Para se ver
livre de Lula e do PT, a elite tradicional da atualidade, junto com os partidos
que lhe servem e representam, apelaram para o argumento da corrupção e do
caráter perdulário do estado para justificar uma retomada de poder sem o
consentimento da massa que, atônita, ainda não se apercebeu direito do que se
passa, apesar de, mais uma vez, estar no centro do alvo dos cortes que o
governo temerário pretende fazer através da PEC 241. Por enquanto, grande parte
dela ainda acredita que Dilma saiu por corrupção e tem fé que a Lava Jato
passará o país a limpo e todos os corruptos irão pra cadeia mais cedo ou mais
tarde. O problema é que o jogo foi armado para soltar o “gênio” apenas por pouco
tempo e o problema maior ainda é que a massa gostou de ver o gênio solto e
serelepe e quer que ele assim permaneça e, como diz o ditado popular, quem for
podre que se arrebente.
É um sentimento não muito diferente do momento em que os Girondinos evitavam julgar Luís XVI
pela traição ao povo francês ao fugir para se unir aos prussianos que invadiam
a França. A fúria popular, no final, precipitou o julgamento e a decapitação na guilhotina de
Luís XVI e de outros milhares que lhe acompanharam ao cadafalso. Prender apenas
Cunha e Lula com Temer na Presidência, com Renan posando de bom moço no Senado,
com Maia dirigindo uma Câmara formada por centenas de corruptos notórios arrochando
e subtraindo direitos de uma população já agonizante e sem paciência é um risco
sem tamanho e o pior é que estão cientes disso porque já se aperceberam que não sabem como prender novamente o gênio e, sendo assim, a Lava-Jato permanece obrigada a lavar tudo bem lavadinho porque as ruas assim exigem. Lavar
a sacada deixando a sala, a copa e a cozinha numa imundície total é um golpe
grande demais numa população já desesperançosa. Moro e o STF estão com a batata assando
na mão, ou cumprem e vão a frente punindo a todos sem exceção ou correm o risco
de cair num descrédito de conseqüências totalmente
imprevisíveis.
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