A Copa, o circo e a dureza do pão de cada dia


Por Fernando Lobato_Historiador

O  Brasil não é uma nação, pois uma nação pressupõe uma forte identidade comum. O Brasil sempre foi, na verdade, uma diversidade de nações convivendo num espaço centralizado politicamente pela mão forte de uma elite preocupada em afirmar sua origem europeia. Foi somente a partir da Semana de Arte Moderna de 1922 (ver aqui), ou seja, a menos de 100 anos, que a inexistência dessa identidade comum tornou-se um problema nacional. Na ausência dela, portanto, era preciso forjá-la. Durante o Estado Novo (1937-1945), as bandeiras estaduais foram todas queimadas (ver aqui), para que, a fórceps, uma nação fosse parida à imagem e semelhança de Vargas. Nossa elite orgulhosamente europeia, portanto, fiel a sua tradição autoritária, tentou nos impor o seu próprio senso de brasilidade e, desde então, passou a fazer uso de forma ufanista da seleção brasileira de futebol. Estamos longe, todos sabemos, de ser um estado-nação potência, mas durante a copa, nossos podres poderes se viram nos 30 para nos vender essa ilusão. Os 7 x 1 diante da Alemanha, em 2014, foram duros exatamente por isso: tivemos, no futebol, a exata noção da nossa distância, no âmbito social, das grandes nações.

O uso político dos grandes espetáculos com o fim de anestesiar e despolitizar a massa não é novo na História. Lá na Roma Antiga, na época dos Césares, esse era o principal expediente utilizado para impedir uma sublevação geral contra a ordem estabelecida. É bem verdade que lá, junto com a distração, o CIRCO, era dado também o PÃO. Com barriga cheia e distração, portanto, ninguém lembrava da miséria do dia a dia, pois a ilusão de viver no melhor dos mundos era forte e envolvente. Quando escuto a fala estridente e passional do Galvão Bueno e demais jornalistas da Globo,  não há como não fazer essa viagem no tempo. Nossa sorte como país, tal como nos contos de fadas, depende dos dribles de Neymar e companhia. Viver o dia a dia não é mais preciso, vibrar com a seleção, isso sim, é preciso. Endividar-se na compra da TV, da camisa verde-amarela, da cerveja e da carne pro churrasco também é preciso, afinal, sem consumo, a roda do capitalismo não gira, ou seja, a economia não anda. Há bem pouco tempo, os caminhoneiros nos deram uma bela comprovação disso. Eles pararam o país quando decidiram parar, mas, agora, o sistema quer que paremos de pensar no sequestro de nossa democracia por nossa elite temerária, na gasolina que não para de subir, no corte de verbas da educação e da saúde, etc, para pensarmos apenas no Tite, e no Neymar e cia. O circo está montado de novo, resta saber até quando dura a ilusão.

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